Dados da maior pesquisa sobre parto e nascimento no Brasil mostram avanços expressivos na prática hospitalar. A
realização de episiotomia, o corte do canal vaginal com bisturi, para
supostamente aumentar a via de passagem do bebê, caiu de 47% para 7% nos
partos vaginais ocorridos no Sistema Único de Saúde (SUS), em cerca de
dez anos. Queda semelhante (de 36% para 9%) foi observada na
realização da manobra de Kristeller, quando o profissional de saúde sobe
sobre a gestante ou empurra a sua barriga com força, para acelerar o
nascimento.
No sistema privado, a redução foi ainda mais expressiva:
apenas 2% das mulheres que tiveram parto vaginal relataram ter passado
pela manobra, que é considerada uma forma de violência obstétrica e traz
risco para a parturiente e o bebê. Os dados fazem parte da
Pesquisa Nascer no Brasil 2, realizada pela Fiocruz, que coletou dados
de mais de 22 mil mulheres entre 2021 e 2023.
Nessa quinta-feira (4), os pesquisadores divulgaram as informações
referentes ao estado do Rio de Janeiro e adiantaram algumas informações
nacionais, para comparação. Eles mostram que aumentou a quantidade de
mulheres que puderam se alimentar e se movimentar durante o parto e que
quase todas que pariram no Rio de Janeiro, tanto no Sistema Único de
Saúde (SUS), quanto em unidades particulares, optaram por posições
verticalizadas, que favorecem a saída do bebê.
"É uma adesão enorme às boas práticas e uma eliminação de
intervenções desnecessárias. No Rio, não tem mais aquela forma de parir,
em litotomia, em que a mulher fica com as pernas pra cima, , sem poder
fazer força. Acabou. Isso é lindo! É uma mudança de cultura que estamos
vendo. Não está perfeito, mas é uma mudança enorme na atenção ao parto,
fruto de políticas públicas", afirmou a coordenadora-geral da pesquisa,
Maria do Carmo Leal.
Por outro lado, a proporção daquelas que tiveram acesso à
analgesia, para reduzir as dores das contrações, caiu de 7% para 2% no
SUS em todo o Brasil, e apenas 1% no Rio de Janeiro. Nos
serviços privados, a queda nacional foi de 42% para 33%, chegando a 30%
no estado. "Entre as mulheres que entraram em trabalho de parto no Rio
de Janeiro, caminhou melhor para o parto vaginal quem fez uso de
analgesia, mostrando que talvez tenhamos aqui um aliado. Foi quase seis
vezes maior a chance de terminar em um parto vaginal", acrescentou Maria
do Carmo.
A pesquisa também mostra que os índices de parto normal e
cesarianas permanecem um grande desafio no país. A quantidade de
mulheres que passaram pela cirurgia no SUS aumentou de 43% para 48%,
comparando com a primeira edição do levantamento, divulgado em 2014.
A coordenadora-geral da pesquisa ressalva que, ao menos, a maior
parte desse aumento se refere a cesarianas intraparto, ou seja,
realizadas após a mulher entrar em trabalho de parto, que totalizaram
13% no Brasil. Os partos vaginais no SUS somaram 52% no Brasil e 50% no estado.
Já a proporção de cesáreas no sistema privado foi de 81% no país e
86% no Rio de Janeiro, e apenas 9% e 7%, respectivamente, foram feitas
após o início do trabalho de parto. Ainda assim, houve ligeiro aumento
na quantidade de partos vaginais no Brasil, de 12% para 19%. A
recomendação da Organização Mundial da Saúde é que as cirurgias sejam
feitas apenas em casos de necessidade e o índice do país não passe de
15%.
O cenário sobre o pré-natal mostrado pela pesquisa, no entanto, não é tão positivo. Apesar
de 98,5% das mulheres do Rio de Janeiro terem recebido o
acompanhamento, apenas um terço apresentava registro completo de
aferição de pressão arterial e exames de glicemia. Esses exames
são essenciais para detectar e controlar as duas complicações mais
comuns e perigosas da gestação: a hipertensão e o diabetes. Menos de 34%
tiveram prescrição registrada de ácido fólico, substância essencial
para o desenvolvimento neurológico do feto, e apenas 31,6% foram
vacinadas contra o tétano e a hepatite B, dois dos principais
imunizantes que devem ser tomados na gestação.
Maria do Carmo Leal destaca outras lacunas importantes no cuidado das
gestantes de alto risco, ou seja, que já tinham alguma condição
diagnosticada no momento do parto.
"Setenta e cinco por cento delas nunca fizeram uma consulta com
especialista, só na atenção básica. Tem alguma coisa errada aqui. Trinta
e seis por cento dessas mulheres disseram que a pressão arterial delas
não foi medida em todas as consultas e também não tinham exame de
glicemia, como o recomendado. São mulheres que peregrinaram mais (até
serem admitidas para o parto), porque não tinha vaga, mas principalmente
porque eram de alto risco e deveriam procurar uma unidade adequada.
Peregrinar na hora do parto é tudo que elas não tinham que fazer".