sexta-feira, julho 01, 2016

COLUNA: ESPAÇO DA PRETA. Quando o “Terreiro” chega na escola: representações das Religiões Afro-brasileiras nos espaços escolares.



  
Bom dia a todos e a todas... Depois de uns dias de recesso a Coluna “Espaço da Preta” está de volta para falar, dialogar e trazer assuntos que ainda permanecem invisíveis a muitos olhos, mais que precisam ser divulgados, afinal, o conhecimento deve ser plural e acesso a ele precisa ser democratizado. Bom, hoje vamos falar sobre um tema que ainda causa muita polêmica e variadas interpretações nos ambientes escolares: a abordagem das religiões de matriz africana no currículo e cotidiano escolar.
                 
Em janeiro de 2003, os movimentos sociais negros, assim como toda a sociedade brasileira, alcançaram uma vitória significativa com a promulgação da lei 10.639 que tornou obrigatório o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira, como tema transversal, nos currículos das escolas (de ensino oficial) públicas e privadas de todo o país. Com essa vitória, também vieram os desafios, que ainda hoje permanecem presentes nas escolas, mostrando-se como empecilhos para uma educação democrática e inclusiva, que valorize as relações étnicas raciais. Entre os desafios podemos citar: a ausência de formação para os professores trabalharem essas temáticas em suas salas de aulas, os conflitos sociais e ideológicos que rondam aspectos da cultura afro-brasileira, como é o caso da religiosidade e o próprio racismo, que continua deliberando muitas formas de sentir, pensar e fazer nesse país.
           
É necessário, também, mencionar que a educação no Brasil nunca foi de fato democratizada, assim, parcelas significativas da população, por motivos econômicos, sociais ou raciais, foram impedidas de se fazerem presentes nas escolas, também sendo negada a inclusão de suas histórias e identidades coletivas nos currículos escolares. Neste entremeio, o negro(a), suas identidades e histórias sempre se mantiveram longe da escola, e da educação formal, isso é perceptível diante das muitas reformas educacionais realizadas no país, em que essa nunca foi de fato uma prioridade. Perante essas realidades de descasos os movimentos negros levantaram suas bandeiras de lutas por uma educação democrática e inclusiva, em que homens e mulheres, negros e negras fossem retratados de maneira justa, e não representadas pelos estereótipos da escravidão, da pobreza e da marginalidade.
             
Quando entramos no campo das religiões de matrizes africanas os desafios ainda são muito maiores, em função das concepções deturpadas que foram sendo construídas sobre as mesmas ao longo do tempo em nosso país. É a "macumba", é o "xangozeiro", o "macumbeiro", entre outras denominações, que imperam nas escolas, sendo este um espaço que deveria primar pelo respeito as todas as crenças e credos, afinal, somos um país laico, e consequentemente as instituições públicas e privadas devem construir espaços de valorização e respeito por todas as religiões.
           
Para compreender mais a fundo o porquê de as escolas ainda serem tão intolerantes com relação as religiões de matrizes africanas como o Candomblé, a Umbanda, o Batuque, entre outras, é necessário fazer uma viagem pelo próprio imaginário religioso brasileiro, e nesse sentido, perceber que desde que os povos oriundos da África vieram para o Brasil, através dos processos de escravidão, tiveram seus ritos e suas culturas subalternizadas, em contraposição a religião do europeu. Sendo construídas desde então versões e aversões sobre essas religiões, e mesmo depois de séculos de perseguição, de violência e muitas mortes, em pleno século XXI, as representações que se tem das religiões afro-brasileiras ainda são permeadas desses estereótipos, e é justamente no seio dessas relações que as escolas precisam atuar para desconstruir esses imaginários. É visível que a falta de preparo dos professores e a própria cultura escolar acabam por minar mais ainda os campos das relações sociais religiosas entre os alunos, vezes por outras nos deparamos com reportagens que mostram como nossa educação ainda é intolerante.
           
Existem alguns materiais didáticos e paradidáticos que trazem e apresentam as religiões afro-brasileiras para as escolas, como exemplo podemos citar: “O Negro no Brasil de hoje’, um paradidático que traz expressões culturais, históricas e religiosas como o Candomblé, a Umbanda e a Congada, também há o livro África e Brasil Africano de Marina de Mello e Souza, que traz uma abordagem semelhante a anterior. Também é interessante mencionar aqui o Projeto “A Cor da Cultura” que tem como objetivo divulgar a história e cultura afro-brasileira e africana, trazendo uma abordagem simples e profunda em suas reflexões.
             
Mas a realidade é bem controversa, existe muita resistência por parte dos professores e das próprias coordenações pedagógicas em introduzir nas aulas, de forma transversal, as religiões de matriz africana, é claro, que pesa também a própria formação desses professores, que não lhes ofereceu os aportes teóricos e práticos necessários para trabalhar essas questões de maneira respeitosa, desmitificando a “demonização” dessas expressões religiosas.
           
Diante das questões expostas até aqui, primeiro é preciso compreender que os terreiros estão nas escolas, mesmo que seja de maneira totalmente deturpada, maldosa e estereotipada, nossos orixás, nossos mestres, estão lá, em muitos casos, nos nossos filhos de santos que precisam esconder a sua fé, ou conviver com a violência e a intolerância que ainda impera nesses espaços. O ponto chave que toda a estrutura escolar precisa entender é que nossas escolas são plurais, que nossas crenças são diversas, que nosso povo tem o direito de manifestar a sua fé seja ela qual for, afinal nosso país é laico.
  
Sabemos que o caminho é longo, cheio de pedras e empecilhos, mas nossos ancestrais conseguiram transmitir tanta sabedoria ao longo dos séculos como a sonoridade de nossos atabaques, a divindade de nossos orixás, as histórias de tantas partes da África, e a perseverança nos tempos adversos para passar para outras gerações todas essas premissas, então nossa luta continua: por uma sociedade mais justa, por escolas democráticas e laicas, e pela formação de indivíduos mais humanos.

Por Ana Paula de Lima
Historiadora e Professora da Rede Estadual de Ensino do RN.

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