Bom dia a todos e a todas... Depois
de uns dias de recesso a Coluna “Espaço da Preta” está de volta para falar,
dialogar e trazer assuntos que ainda permanecem invisíveis a muitos olhos, mais
que precisam ser divulgados, afinal, o conhecimento deve ser plural e acesso a
ele precisa ser democratizado. Bom, hoje vamos falar sobre um tema que ainda
causa muita polêmica e variadas interpretações nos ambientes escolares: a
abordagem das religiões de matriz africana no currículo e cotidiano escolar.
Em janeiro de 2003, os
movimentos sociais negros, assim como toda a sociedade brasileira, alcançaram
uma vitória significativa com a promulgação da lei 10.639 que tornou
obrigatório o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira, como
tema transversal, nos currículos das escolas (de ensino oficial) públicas e
privadas de todo o país. Com essa vitória, também vieram os desafios, que ainda
hoje permanecem presentes nas escolas, mostrando-se como empecilhos para uma
educação democrática e inclusiva, que valorize as relações étnicas raciais.
Entre os desafios podemos citar: a ausência de formação para os professores
trabalharem essas temáticas em suas salas de aulas, os conflitos sociais e
ideológicos que rondam aspectos da cultura afro-brasileira, como é o caso da
religiosidade e o próprio racismo, que continua deliberando muitas formas de
sentir, pensar e fazer nesse país.
É necessário, também, mencionar que a
educação no Brasil nunca foi de fato democratizada, assim, parcelas
significativas da população, por motivos econômicos, sociais ou raciais, foram
impedidas de se fazerem presentes nas escolas, também sendo negada a inclusão
de suas histórias e identidades coletivas nos currículos escolares. Neste
entremeio, o negro(a), suas identidades e histórias sempre se mantiveram longe
da escola, e da educação formal, isso é perceptível diante das muitas reformas
educacionais realizadas no país, em que essa nunca foi de fato uma prioridade.
Perante essas realidades de descasos os movimentos negros levantaram suas
bandeiras de lutas por uma educação democrática e inclusiva, em que homens e
mulheres, negros e negras fossem retratados de maneira justa, e não
representadas pelos estereótipos da escravidão, da pobreza e da marginalidade.
Quando entramos no campo das
religiões de matrizes africanas os desafios ainda são muito maiores, em função
das concepções deturpadas que foram sendo construídas sobre as mesmas ao longo
do tempo em nosso país. É a "macumba", é o "xangozeiro", o
"macumbeiro", entre outras denominações, que imperam nas escolas,
sendo este um espaço que deveria primar pelo respeito as todas as crenças e
credos, afinal, somos um país laico, e consequentemente as instituições
públicas e privadas devem construir espaços de valorização e respeito por todas
as religiões.
Para compreender mais a fundo o
porquê de as escolas ainda serem tão intolerantes com relação as religiões de
matrizes africanas como o Candomblé, a Umbanda, o Batuque, entre outras, é
necessário fazer uma viagem pelo próprio imaginário religioso brasileiro, e
nesse sentido, perceber que desde que os povos oriundos da África vieram para o
Brasil, através dos processos de escravidão, tiveram seus ritos e suas culturas
subalternizadas, em contraposição a religião do europeu. Sendo construídas
desde então versões e aversões sobre essas religiões, e mesmo depois de séculos
de perseguição, de violência e muitas mortes, em pleno século XXI, as
representações que se tem das religiões afro-brasileiras ainda são permeadas
desses estereótipos, e é justamente no seio dessas relações que as escolas
precisam atuar para desconstruir esses imaginários. É visível que a falta de
preparo dos professores e a própria cultura escolar acabam por minar mais ainda
os campos das relações sociais religiosas entre os alunos, vezes por outras nos
deparamos com reportagens que mostram como nossa educação ainda é intolerante.
Existem alguns materiais didáticos e
paradidáticos que trazem e apresentam as religiões afro-brasileiras para as
escolas, como exemplo podemos citar: “O Negro no Brasil de hoje’, um
paradidático que traz expressões culturais, históricas e religiosas como o
Candomblé, a Umbanda e a Congada, também há o livro África e Brasil Africano de
Marina de Mello e Souza, que traz uma abordagem semelhante a anterior. Também é
interessante mencionar aqui o Projeto “A Cor da Cultura” que tem como objetivo
divulgar a história e cultura afro-brasileira e africana, trazendo uma
abordagem simples e profunda em suas reflexões.
Mas a realidade é bem controversa,
existe muita resistência por parte dos professores e das próprias coordenações
pedagógicas em introduzir nas aulas, de forma transversal, as religiões de
matriz africana, é claro, que pesa também a própria formação desses
professores, que não lhes ofereceu os aportes teóricos e práticos necessários
para trabalhar essas questões de maneira respeitosa, desmitificando a “demonização”
dessas expressões religiosas.
Diante das questões expostas até
aqui, primeiro é preciso compreender que os terreiros estão nas escolas, mesmo
que seja de maneira totalmente deturpada, maldosa e estereotipada, nossos
orixás, nossos mestres, estão lá, em muitos casos, nos nossos filhos de santos
que precisam esconder a sua fé, ou conviver com a violência e a intolerância
que ainda impera nesses espaços. O ponto chave que toda a estrutura escolar
precisa entender é que nossas escolas são plurais, que nossas crenças são
diversas, que nosso povo tem o direito de manifestar a sua fé seja ela qual
for, afinal nosso país é laico.
Sabemos que o caminho é longo, cheio de pedras
e empecilhos, mas nossos ancestrais conseguiram transmitir tanta sabedoria ao
longo dos séculos como a sonoridade de nossos atabaques, a divindade de nossos
orixás, as histórias de tantas partes da África, e a perseverança nos tempos
adversos para passar para outras gerações todas essas premissas, então nossa
luta continua: por uma sociedade mais justa, por escolas democráticas e laicas,
e pela formação de indivíduos mais humanos.
Historiadora e Professora da Rede Estadual de Ensino
do RN.