A cada semana, para visitar o filho preso, Ana, nome fictício
utilizado para proteger sua identidade, passava por um ritual de
constrangimento. “Você passava pela revista, tirava todas as roupas, a
funcionária olhava, depois mandava você agachar três vezes de frente e
de costas para mostrar que não estava levando nada”, relembra. Em alguns
casos, ela conta que havia até o uso de espelhos para visualização de
partes íntimas, além de outros procedimentos indignos.
A prática é formalmente chamada de revista íntima, mas ganhou a
alcunha de revista vexatória pelo que significa para quem tem de passar
por ela. Desde 2013, tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que
objetiva alterar a Lei de Execução Penal para determinar a extinção
dessa prática. A proposta passou pelo Senado e, em 2014, foi remetida à
Câmara dos Deputados, onde tramita como Projeto de Lei 7.764/2014. Na
semana passada, ela foi aprovada na Comissão de Segurança Pública e
Combate ao Crime Organizado.
O projeto determina que a “revista pessoal deverá ocorrer mediante
uso de equipamentos eletrônicos detectores de metais, aparelhos de
raio-x ou aparelhos similares, ou ainda manualmente, preservando-se a
integridade física, psicológica e moral da pessoa revistada e desde que
não haja desnudamento, total ou parcial”. Também proíbe o uso de
espelhos, esforços físicos repetitivos, bem como preserva a incolumidade
corporal da pessoa revistada.
Para proteger as pessoas que precisam entrar nos presídios, fixa que
“a revista manual será realizada por servidor habilitado e sempre do
mesmo sexo da pessoa revistada, garantindo-se o respeito à dignidade
humana”, deixando ao critério dessa pessoa a realização “em sala
apropriada apartada do local da revista eletrônica e sem a presença de
terceiros”.
A proposta, atualmente relatada pelo deputado João Campos (PRB-GO),
também destaca que “a revista pessoal em crianças ou adolescentes deve
garantir o respeito ao princípio da proteção integral da criança e do
adolescente, sendo vedado realizar qualquer revista sem a presença e o
acompanhamento de um responsável.”
Em relatório técnico sobre o projeto de lei, o Instituto Brasileiro
de Ciências Criminais aponta que a revista íntima contraria normas
nacionais, inclusive a Constituição Federal, que determina que ninguém
será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante e que
são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, bem como tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Entre
eles, a Convenção Americana de Direitos Humanos, que determina que
“toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física,
psíquica e moral” e que “a pena não pode passar da pessoa do
delinquente”.
Além das violações de direitos associadas à prática, o instituto
argumenta que a revista não é efetiva. “Deve-se ter em conta que os
dados acerca da revista vexatória demonstram que apenas 0,013% dos
objetos encontrados dentro do sistema prisional tiveram entrada via
visitantes, o que demonstra, por si só, que a revista não é a principal
forma de coibir a entrada de produtos ilegais, sendo este mais um
argumento a demonstrar que não pode ser utilizada sob o pretexto de
assegurar a segurança pública”, diz o texto do relatório.
A proposta encontra resistência por parte da categoria dos agentes
penitenciários, que argumentam que a revista é necessária para evitar a
entrada de armas, celulares e outros equipamentos vetados em
presídios. Mas o próprio avanço tecnológico pode fazer com que a revista
seja substituída por outras técnicas, segundo o secretário-geral
do Sindicato dos Agentes Disciplinar Terceirizados da Bahia (Sindap-BA),
Orlando Saraiva. Ele avalia que a situação é complexa.
“Realmente, é muito frequente essa situação das esposas ou acompanhantes
estarem escondendo algo onde não se possa ver, mas eu acho que deve ser
excluído esse tipo de inspeção, porque hoje em dia tem o avanço
[tecnológico]”, afirma.
Saraiva conta que trabalhou por muitos anos em uma unidade prisional
na Bahia e que sentia constrangimento ao participar de revistas. “É
muito constrangedor a gente ter que mandar um pai de família
agachar. Pior ainda para as mulheres. As nossas colegas agentes
sempre falam muito sobre isso”, diz. Para ele, a situação pode ser
superada com o uso de detectores de metal nas unidades prisionais,
garantindo simultaneamente os direitos dos visitantes e a segurança.
Atualmente, estados como Rio de Janeiro e São Paulo já proibiram a
revista íntima por meio de leis locais. Também há recomendações da
Defensoria Pública, como no Rio Grande do Norte, nesse sentido. No
entanto, segundo a Associação de Amigos e Familiares de Presos
(Amparar), a prática da revista íntima ainda é recorrente, inclusive em
locais em que já há scanner.
Se o PL 7.764/2014 for aprovado, a regra passará a valer em todo o
país. Para tanto, ainda é preciso passar pela Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário