"Chegou uma hora em que a gente precisa tirar esse cara. Ele tem que sair de qualquer jeito", disse, em entrevista à BBC News Brasil, por telefone.
Nos últimos dias, Lobão está produzindo um novo disco triplo, a ser lançado nos próximos meses. Já em sua conta no Twitter ele tem compartilhado diversas mensagens de apoio às manifestações que pedem a saída do presidente. Segundo a organização, estão previstos atos em mais de 160 cidades do Brasil neste sábado (3/7), além de dezenas no exterior.
Partidos e movimentos de centro-direita ou direita, como o PSDB e o Movimento Brasil Livre (MBL), não devem participar das manifestações. Nesta semana, parlamentares de esquerda e de direita, como Gleisi Hoffmann (PT) e Kim Kataguiri (DEM), se uniram para apresentar um novo pedido de impeachment contra o mandatário.
Dessa vez, o pedido imputa a Bolsonaro 23 crimes previstos na lei 1.079/50, conhecida como Lei do Impeachment. Entre eles, cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, tentar dissolver o Congresso Nacional, atrapalhar investigações, violar o direito à vida dos cidadãos na pandemia, incitar militares à desobediência à lei e não agir contra subordinados que agem ilegalmente.
Até o momento, o presidente Jair Bolsonaro tem minimizado os atos contra si e participado de atos pró-governo, como demonstração de força. Em sua live mais recente, em 1° de julho, ele ironizou o "superimpeachment". "Quem não tem o que fazer fica tentando atrapalhar a vida de quem produz", declarou.
Já Lobão afirma que apoia os protestos deste sábado, mas não vai comparecer por receio de se infectar com a covid. "Não vou porque tomei só uma dose da vacina. A mãe da minha mulher está morando com a gente. Não posso bobear. Quando eu tomar a segunda dose, ainda vou sair de casa com todo o cuidado. Mas agora não vou sair, não."
Ele diz acreditar que esquerda e direita podem caminhar lado a lado em manifestações, embora haja "ressentimentos e acusações de ambos os lados".
Para o artista, Bolsonaro "não fez nada de bom desde que entrou". "O simples fato de esse cara andar na rua sem máscara, tirando máscara de criança, já é motivo (para impeachment). Ele é o presidente da República de um país com 500 mil mortos na pandemia, e ele dá esse exemplo todos os dias na televisão. Isso já é criminoso por si só, é genocida por si só", afirma.
O compositor conta ter falado em impeachment de Bolsonaro ainda em abril de 2019, quando o governo estava em seus primeiros meses. "Desde a primeira semana eles estão pisando na bola, falando em golpe de Estado, fazendo coisas absurdas todo dia, toda hora. É um abuso de poder", diz.
Lobão faz parte de um grupo de artistas e influenciadores que apoiou ou sinalizou voto em Bolsonaro, mas hoje mudou de lado e se posiciona contra sua gestão, como o comediante Danilo Gentili, o ator e deputado federal Alexandre Frota (PSDB) e o apresentador Luciano Huck, da TV Globo.
O compositor justifica seu apoio dizendo que "não havia alternativa" na época, que não a "retirada do PT do Presidência".
"O Brasil queria se ver livre do PT, não tinha mais alternância de poder. Ele se aliou com o que há de pior na política, inúmeros casos de corrupção. Ele foi corresponsável pelo chavismo na Venezuela, e iria dar um golpe", acusa. "A gente sabia que o Bolsonaro era o que ele é. Mas achava que uma facção liberal e o Exército, que tinha um prestígio de 30 anos depois da ditadura e pessoas esclarecidas, poderiam segurar o cara. Mas não deu", diz.
Não é a primeira vez que Lobão apoia a saída de um presidente. Em 1992, foi a favor do impedimento de Fernando Collor e, em 2016, foi uma das vozes públicas que pediram o afastamento da petista Dilma Rousseff.
Na época, ele discursou em protestos comandados por movimentos como MBL e Vem Pra Rua.
"Para mim, o que Bolsonaro está fazendo supera em muito em gravidade o que os outros dois fizeram. Há uma coleção de crimes. O último é essa denúncia de superfaturamento de vacina", diz, em referência às suspeitas de cobrança de propina para compra de vacinas Covaxin pelo Ministério da Saúde.
Durante os governos petistas, o cantor se posicionou fortemente contra o PT, chamando o ex-presidente Lula de "ladrão e psicopata".
Para as eleições do próximo ano, ele também refuta qualquer possibilidade de votar no ex-metalúrgico, mesmo em um possível segundo turno entre Lula e Bolsonaro.
"Vou me abster. Não voto em nenhum dos dois. Infelizmente, no Brasil o voto é negativo. A gente vota em um para que o outro, pior, não ganhe. Precisamos de um presidente em que a gente possa sair na rua e não haja um clima de semi-guerra civil entre as pessoas", diz Lobão, que ainda acredita em uma possível terceira via para disputar a Presidência.
A mudança de postura em relação a Bolsonaro dificultou a relação do compositor com amigos que continuam seguindo o mandatário, como o músico Roger Moreira, líder da banda Ultraje a Rigor, um dos mais fiéis defensores do bolsonarismo nas redes sociais.
"Não falo mais com quem continua com Bolsonaro. Roger era um parceiro de 40 anos. Mas dei um block nele", conta Lobão.
"Quem é Bolsonaro hoje em dia tem uma questão de higiene moral, não consigo nem falar. Não tenho o menor tipo de aproximação. Você não precisa ser um gênio para perceber o que está acontecendo no Brasil. É um acinte, um estupro, uma violência. Bolsonaro não fez nada de bom, tudo o que ele toca vira merda, é uma virtuose na merda", diz.
Durante a pandemia, Lobão perdeu 90% de sua renda, que vinha essencialmente dos shows. "Fico mais preocupado com os músicos que trabalham comigo, que dependem muito dos shows. Sou um eremita, fico muito em casa, compondo e tocando", diz.
Nos últimos meses, o artista de 63 anos tem se dedicado a produzir um novo disco triplo, Canções de Quarentena, que será lançado em vinil em breve.
De tempos em tempos, o cantor lança na internet uma das faixas do álbum, sempre uma versão dele para músicas que marcaram sua vida, como Gita, de Raul Seixas, e Disparada, de Geraldo Vandré.
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