Na bicicleta ergométrica da academia da Chapecoense, o zagueiro Neto
pedala todos os dias, obstinado. Na sua cabeça, cada giro dos pedais o
coloca mais próximo do seu objetivo imediato: um reencontro consigo
mesmo.
Sobrevivente do acidente aéreo que em novembro do ano passado deixou
71 mortos, entre eles 19 jogadores da Chapecoense, Neto é o que esteve
em condições mais críticas – “quase morri três vezes no hospital”. Hoje,
ele já conquistou relativa independência, caminha sem muletas e
conversa com naturalidade.
“Tenho problema no joelho ainda, o ligamento cruzado posterior rompeu
e o cruzado anterior estirou. Na coluna, tive um achatamento de
vértebra. Tenho fraturas nos punhos, que já estão bem melhores, não
sinto mais a dor de antes, que era grande. Tenho também uma lesão na
canela, que deixou a perna dormente. Eu fico mais debilitado pelas
lesões da coluna e do joelho. Mas uma hora ou outra elas vão passar.
Minha vida nunca vai ser igual, mas meu corpo vai se recuperando, minha
mente vai entrando no lugar”, explica, sobre as limitações que ainda
tem.
Essas dores, segundo Neto, incomodam mais quando não deixam fazer duas coisas: jogar futebol e brincar com seus filhos.
“Sinto falta de estar dentro de campo, de treinar, de correr, de me
sentir forte. Sinto falta de pegar os meus filhos no colo, abraçar e
levar pela casa, que é uma coisa que eu tinha mania de fazer. Eles já
são grandes, mas como eu era forte podia fazer isso. Hoje o joelho e a
coluna me impedem”, lamenta.
A despeito das sequelas que permanecem, Neto diz não ter ódio do
piloto Miguel Quiroga, apontado como um dos possíveis responsáveis pelo
acidente por ter abastecido a aeronave com uma quantidade menor do que a
necessária para o trajeto.
“É impossível ter raiva de alguém que morreu. A gente tem que ter
compaixão. Ele errou, claro, mas o erro está muito além dele. Fomos
vítimas de tudo isso, tanto os sobreviventes como aqueles que se foram.
Ele tinha um plano de voo que nós não conhecíamos, mas outros conheciam,
e muita gente no aeroporto de lá [Bolívia] sabia. Não podemos culpar só
um cidadão. Tem muita gente envolvida. Logo a Justiça vai chegar e eles
serão punidos pelo que fizeram. A Bíblia diz que um dia todos nós
seremos julgados. Um dia Deus vai julgá-lo da melhor maneira possível,
correta e justa”, acredita.
Depois do acidente, Neto passou mais de dez dias em coma. Ele não tem
memórias relativas ao resgate em Medellín nem a seus primeiros dias no
hospital. As últimas lembranças são dos momentos que antecederam a
tragédia.
“Escureceu tudo, eu achei muito estranho, comecei a orar junto de
companheiros e aí não lembro de mais nada, recobrei consciência dez dias
depois. Muita gente acha que teve desespero, correria, e não foi assim.
Teve muita oração, mas incerteza também, porque a gente não sabia se
estava pousando ou caindo”. Via PnoAR.
Nenhum comentário:
Postar um comentário