Quando conversou com o ‘Estado’, na quinta, 28, Mia Couto tinha
chegado a Maputo, capital de Moçambique. Ele vinha de Beira, sua cidade
natal, justamente a que foi mais atingida pelo ciclone Idai que, até
sexta, deixou cerca de 700 mortos em seu país, além de Zimbábue e
Malauí. “Chorei muito quando cheguei lá. Encontrei uma cidade que
parecia ter sido bombardeada, com casas sem teto ou completamente
destruídas”, disse.
O retorno a Beira estava programado há algumas semanas – pela
primeira vez, Mia escrevia um romance cuja trama era ambientada em sua
cidade natal. “Eu tinha escrito a metade da narrativa e Beira era tão
importante que meu editor português dizia ser a cidade também um
personagem”, conta ele, que criava a história do homem que vai atrás de
suas memórias no local que lhe parecia ser uma miragem. “Planejava essa
volta para revisitar certos lugares e conversar com alguns conhecidos. O
mau tempo impediu que eu chegasse a Beira, mas agora, depois do
acontecido, terei de mudar completamente o romance.”
Uma boa notícia que serve como consolo pela dor é que o prazer de
escrever em parceria com José Eduardo Agualusa vai ganhar contornos
sociais: eles vão participar, em Luanda, do projeto Pés Descalços, no
qual vão ministrar oficinas que resultarão na escrita de três livros de
contos para crianças. “Participaremos ao lado de outros profissionais do
mercado editorial, como ilustradores, designers, etc.”, diz Agualusa.
Mia virá a São Paulo na próxima semana – na terça, dia 9, ele
participa de um debate sobre a obra Grande Sertão: Veredas, de Guimarães
Rosa, escritor de sua admiração. Ao seu lado, estarão os integrantes do
Grupo Miguillim e o evento, que acontecerá no Sesc Pinheiros, às 20h,
terá a direção de Bia Lessa.
O que acontece no Brasil, aliás, é acompanhado atentamente pelos dois
escritores. Para Agualusa, a atual situação política nacional
representa a quebra do pacto de credibilidade. “Se eu escrevesse um
romance no qual um presidente postasse, em sua rede social, cenas
pornográficas durante o carnaval, certamente seria tachado como um
escritor exagerado”, comenta. “Acredito que a apatia de alguns
brasileiros hoje é fruto de sua incredibilidade com o que está
acontecendo.”
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