Três quilômetros separam a sede da Justiça Federal de 1º Grau do
Paraná da residência do juiz Sergio Moro, responsável pelo julgamento
dos processos da Lava Jato.
É este o trajeto percorrido pelo magistrado desde 2003, quando
assumiu a primeira vara especializada em crimes contra o sistema
financeiro, em Curitiba. No ano anterior, comprou um imóvel de 256 m² no
bairro do Bacacheri, de classe média.
Em junho de 2002, Márcio Antonio Rocha, juiz federal do TRF-4
(Tribunal Regional Federal da 4ª Região), vendeu o apartamento para Moro
por R$ 173.900 (R$ 460 mil em valores atualizados).
Como dono de imóvel próprio na capital paranaense, Moro fez uso de
decisão liminar de setembro de 2014, do ministro do STF (Supremo
Tribunal Federal) Luiz Fux, para passar a receber auxílio-moradia no
valor de R$ 4.378.
Benefício
Fux estendeu o benefício a todos os juízes do país. O ministro
argumentou que diversos tribunais já ofereciam o auxílio, o que estaria
criando uma diferenciação entre os magistrados.
Ele também citou o artigo 65 da Lei Orgânica da Magistratura, que
prevê que podem ser oferecidas aos juízes algumas vantagens, como “ajuda
de custo, para moradia, nas localidades em que não houver residência
oficial à disposição do magistrado”.
Na resolução 199, de outubro de 2014, o CNJ (Conselho Nacional de
Justiça) regulamentou que cada juiz ficaria responsável por requerer o
próprio auxílio-moradia. “A referida ajuda de custo vem sendo paga por
diversos tribunais em patamares díspares, acarretando injustificável
tratamento diferenciado entre magistrados”, diz o texto do CNJ.
Somente no fim do ano passado, Fux liberou a liminar para ser julgada
pelos 11 ministros do STF. A presidente da corte, Cármen Lúcia, afirmou
que pretende pautar o assunto em março.
Vencimentos
O recebimento de auxílio-moradia por um juiz que possui imóvel na
cidade onde trabalha não é ilegal, mas levanta questionamentos.
Nesses casos, na prática o valor do benefício é incorporado ao
salário do magistrado, mas não conta para o teto constitucional dos
vencimentos do setor público, de R$ 33.763.
A prática é comum no Poder Judiciário. Como mostrou a Folha nesta
quinta (1º), 26 ministros de tribunais superiores, em Brasília, recebem
auxílio-moradia mesmo tendo imóvel próprio na cidade.
Moro começou a receber o auxílio-moradia em outubro de 2014.
Acrescentado o auxílio-alimentação de R$ 884, as indenizações totalizam
R$ 5.262 por mês.
Com salário-base de R$ 28.948, sua remuneração bruta chega a R$ 34.210, se somados os benefícios —acima do teto, portanto.
Em determinados meses, o valor pode ser ainda maior. Em dezembro de
2017, Moro ganhou gratificações no total de R$ 6.838, elevando o salário
para R$ 41.047. Os benefícios corresponderam a 30% de toda a
remuneração.
Dos 494 magistrados da 4ª Região, que compreende Rio Grande do Sul,
Santa Catarina e Paraná, só 74, ou 15%, não recebem auxílio-moradia. O
gasto mensal com o benefício chega a R$ 1,84 milhão. Em 2017, o gasto
anual foi de R$ 21,4 milhões.
Desde a liminar de 2014, o auxílio-moradia aos magistrados da 4ª Região já custou R$ 71,3 milhões.
Segundo a ONG Contas Abertas, desde 2014 já foram empenhados R$ 5,4
bilhões com o benefício para membros do Judiciário e do Ministério
Público em todo o país.
Outro responsável pela Lava Jato, Marcelo Bretas, do Rio, e sua
mulher, também juíza, recebem o benefício em dose dupla —situação vetada
pelo CNJ. A AGU pediu que a Justiça do Rio remeta à análise da segunda
instância a decisão que autorizou o auxílio.
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