Do total de 22.918 casos de estupro registrados pelo sistema de saúde
em 2016, 50,9% foram cometidos contra crianças de até 13 anos. As
adolescentes de 14 a 17 são 17% das vítimas e 32,1% eram maiores de
idade. A proporção não se mantém estável nos últimos 10 anos.
Os dados fazem parte do estudo Atlas da Violência 2018, apresentados
ontem (5) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo
Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
O Atlas da Violência aponta uma discrepância dos dados da saúde com
os das polícias brasileiras, que registraram 49.497 casos de estupro no
ano, conforme 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Segundo o pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) David Marques, os dois dados são subestimados.
“Os estudos mais conservadores estimam que o número de registros
equivale a, no máximo, 10% da quantidade real de estupros de cada ano,
ou seja, esse número é muito pior. Isso em grande medida tem a ver com a
confiança que essas vítimas podem ter no próprio sistema de segurança
ou de saúde, da forma como vai ser acolhida e da resposta pública a ser
oferecida para a situação dramática que estão enfrentando”.
Estimativas de outras pesquisas apontam que mais de 1 milhão de
pessoas podem ser vítimas de violência sexual por ano no Brasil. O Atlas
aponta que, nos Estados Unidos, apenas 15% dos estupros são reportados à
polícia. “Caso a nossa taxa de subnotificação fosse igual à americana,
ou, mais crível, girasse em torno de 90%, estaríamos falando de uma
prevalência de estupro no Brasil entre 300 mil a 500 mil a cada ano”,
diz o texto.
Para Marques, o tema é delicado e de difícil tratamento no Brasil.
“Os dados de estupro são sempre muito complicados de se trabalhar,
existe um tabu muito grande em se falar sobre esse crime na sociedade
brasileira de forma geral. Sempre tem uma desconfiança muito grande com
relação à vítima, situação em que isso se dá e uma dificuldade muito
grande na produção de prova, quando a gente vai falar do processamento
desses crimes.”
De 2011 para 2016, houve crescimento de 90,2% nas notificações de
estupro no país. Os pesquisadores atribuem os dados ao aumento da
prevalência de estupros; aumento na taxa de notificação levada por
campanhas feministas e governamentais ou a expansão e aprimoramento dos
centros de referência que registram as notificações. O número de centros
de saúde que tiveram pelo menos uma notificação aumentou 124,2% no
período e o número de municípios que passaram a ter notificações subiu
73,5%, o que corrobora com a terceira hipótese.
O Atlas aponta ainda para a vulnerabilidade das pessoas com
deficiências física e/ou psicológica. Cerca de 10,3% das vítimas de
estupro tinham alguma deficiência. Desse total,31,1% tinham deficiência
mental e 29,6% transtorno mental. As pessoas com algum tipo de
deficiência também representam 12,2% do total de casos de estupros
coletivos.
Quanto ao perfil do agressor, David Marques lembra que muitas vítimas
conhecem quem os agride e violenta. “Nos casos de crianças até 13 anos,
30% dessas vítimas são violentadas por familiares e próximos, como
pais, irmãos e padrastos. Entre as adultas, 46% foram vítimas de uma
pessoa que de alguma forma elas conheciam. Elas sabem dizer o nome, tem
alguma proximidade. Isso nos ajuda a racionalizar um pouco o debate, no
sentido de pensar que o agressor é sempre o outro, o desconhecido,
quando não. Muitas vezes essa relação de proximidade enseja essa
situação de violência”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário